Ricardo Reis é, assim, o heterônimo clássico, ou melhor,
neoclássico: sua visão da realidade deriva da Antiguidade
greco-latina. Seus modelos de vida e de poesia, buscou-os
na Grécia e em Roma.
(Massaud Moisés. “Introdução”. In: Fernando Pessoa.
O guardador de rebanhos e outros poemas, 1997.)
Levando-se em consideração esse comentário, pertencem a
Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa (1888-1935),
OS Versos:
(A) Nada perdeu a poesia. E agora há a mais as máquinas
Com a sua poesia também, e todo o novo gênero de vida
Comercial, mundana, intelectual, sentimental,
Que a era das máquinas veio trazer para as almas.
(B) Súbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto.
(C) Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
(D) À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
(E) O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.