Texto 3
10
15
a)
b)
Prólogo
Dei o nome de Primeiros Cantos às poesias que agora publico, porque espero que não serão as últimas.
Muitas delas não têm uniformidade nas estrofes, porque menosprezo regras de mera convenção; adotei todos os
ritmos da metrificação portuguesa, e usei deles como me pareceram quadrar melhor com o que eu pretendia exprimir.
Não têm unidade de pensamento entre si, porque foram compostas em épocas diversas — debaixo de céu di-
verso — e sob a influência de impressões momentâneas. Foram compostas nas margens viçosas do Mondego e nos
pincaros enegrecidos do Gerez — no Doiro e no Tejo — sobre as vagas do Atlântico, e nas florestas virgens da Améri-
ca. Escrevi-as para mim, e não para os outros; contentar-me-ei, se agradarem; e se não... é sempre certo que tive o
prazer de as ter composto.
Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de sobre a nossa arena política para ler em minha alma,
reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de improviso, e as ideias que em mim
desperta a vista de uma paisagem ou do oceano — o aspecto enfim da natureza. Casar assim o pensamento com o
sentimento — o coração com o entendimento — a ideia com a paixão — cobrir tudo isto com a imaginação, fundir tudo
isto com a vida e com a natureza, purificar tudo com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia — a Poesia
grande e santa — a Poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir.
O esforço — ainda vão — para chegar a tal resultado é sempre digno de louvor, talvez seja este o só merecimento
deste volume. O Público o julgará; tanto melhor se ele o despreza, porque o Autor interessa em acabar com essa vida
desgraçada, que se diz de Poeta.
Rio de Janeiro, julho de 1846.
DIAS, Gonçalves. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2014.
Gonçalves Dias é considerado um dos grandes poetas do Romantismo brasileiro. Destaque do Texto 3 dois aspectos
da estética romântica citados pelo autor.
Comente a noção de poesia que aparece no Texto 3 — “a Poesia grande e santa” (4º parágrafo) - comparando-a com a
defendida pelos modernistas de 1922.