Inverno! inverno! inverno!
Tristes nevoeiros, frios negrumes da longa treva
boreal, descampados de gelo cujo limite escapa-nos
sempre, desesperadamente, para lá do horizonte,
perpétua solidão inóspita, onde apenas se ouve a voz
do vento que passa uivando como uma legião de lobos,
através da cidade de catedrais e túmulos de cristal na
planície, fantasmas que a miragem povoam e animam,
tudo isto: decepções, obscuridade, solidão, desespero
e a hora invisível que passa como o vento, tudo isto é o
frio inverno da vida.
Há no espírito o luto profundo daquele céu de bruma
dos lugares onde a natureza dorme por meses, à espera
do sol avaro que não vem.
POMPEIA, R. Canções sem metro. Campinas: Unicamp, 2013.
Reconhecido pela linguagem impressionista, Raul Pompeia
desenvolveu-a na prosa poética, em que se observa a
imprecisão no sentido dos vocábulos.
dramaticidade como elemento expressivo.
subjetividade em oposição à verossimilhança.
valorização da imagem com efeito persuasivo.
plasticidade verbal vinculada à cadência melódica.
VODOO