Somente uns tufos secos de capim empedrados
crescem na silenciosa baixada que se perde de vista.
Somente uma árvore, grande e esgalhada mas com
pouquíssimas folhas, abre-se em farrapos de sombra.
Unico ser nas cercanias, a mulher é magra, ossuda, seu
rosto está lanhado de vento. Não se vê o cabelo, coberto
por um pano desidratado. Mas seus olhos, a boca, a pele
— tudo é de uma aridez sufocante. Ela está de pé. A seu
lado está uma pedra. O sol explode.
Ela estava de pé no fim do mundo. Como se andasse para
aquela baixada largando para trás suas noções de si mesma.
Não tem retratos na memória. Desapossada e despojada,
não se abate em autoacusações e remorsos. Vive.
Sua sombra somente é que lhe faz companhia. Sua
sombra, que se derrama em traços grossos na areia,
é que adoça como um gesto a claridade esquelética.
A mulher esvaziada emudece, se dessangra, se cristaliza,
se mineraliza. Já é quase de pedra como a pedra a seu lado.
Mas os traços de sua sombra caminham e, tornando-se
mais longos e finos, esticam-se para os farrapos de sombra
da ossatura da árvore, com os quais se enlaçam.
FRÓES, L. Vertigens: obra reunida. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Na apresentação da paisagem e da personagem, o
narrador estabelece uma correlação de sentidos em
que esses elementos se entrelaçam. Nesse processo, a
condição humana configura-se
@ amalgamada pelo processo comum de desertificação
e de solidão.
fortalecida pela adversidade extensiva à terra e aos
seres vivos.
redimensionada pela intensidade da luz e da
exuberância local.
imersa num drama existencial de identidade e de origem.
imobilizada pela escassez e pela opressão do ambiente.
VO O O