Declaração de amor
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa.
Ela não é fácil. Não é maleável. [...] A língua portuguesa é
um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para
quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira
capa de superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais
complicado. As vezes se assusta com o imprevisível
de uma frase. Eu gosto de manejá-la — como gostava de
estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes
a galope. Eu queria que a língua portuguesa chegasse
ao máximo em minhas mãos. E este desejo todos os que
escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram
para nos dar para sempre uma herança de língua já feita.
Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do
pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei
do encantamento de lidar com uma língua que não foi
aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda e também não pudesse escrever, e
me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria:
inglês, que é preciso e belo. Mas, como não nasci muda e
pude escrever, tomou-se absolutamente claro para mim
que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até
queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha
abordagem do português fosse virgem e límpida.
LISPECTOR, C. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999 (adaptado).
O trecho em que Clarice Lispector declara seu amor pela
língua portuguesa, acentuando seu caráter patrimonial e
sua capacidade de renovação, é:
® “A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para
quem escreve.”
O “Um Camões e outros iguais não bastaram para nos
dar para sempre uma herança de língua já feita.”
O “Todos nós que escrevemos estamos fazendo do
túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.”
O “Mas não falei do encantamento de lidar com uma
língua que não foi aprofundada.”
@ “Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só
para que a minha abordagem do português fosse
virgem e límpida.”