Capitulo Ill
Um criado trouxe o café. Rubio pegou na xicara e, enquanto
lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando a bandeja,
que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os metais que
amava de coração; não gostava de bronze, mas o amigo
Palha disse-lhe que era matéria de preço, e assim se explica
este par de figuras que aqui está na sala: um Mefistófeles
e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher, escolheria a
bandeja, — primor de argentaria, execução fina e acabada.
O criado esperava teso é sério. Era espanhol; e não foi sem
resistência que Rubião o aceitou das mãos de Cristiano; por
mais que lhe dissesse que estava acostumado aos seus
crioulos de Minas, e não queria línguas estrangeiras em casa,
o amigo Palha insistiu, demonstrando-he a necessidade de
ter criados brancos. Rubião cedeu com pena. O seu bom
pajem, que ele queria pôr na sala, como um pedaço da
província, nem o pôde deixar na cozinha, onde reinava um
francês, Jean; foi degradado a outros serviços.
ASSIS, M. Quincas Bora. In: Obra completa. V.1. Fio do Janeiro: Nova Aguiar, 1993
agro)
Quincas Borba situa-se entre as obras-primas do autor
e da literatura brasileira. No fragmento apresentado, a
peculiaridade do texto que garante a universalização de
sua abordagem reside
© no conflito entre o passado pobre e o presente rico, que
simboliza o triunfo da aparência sobre a essência.
O no sentimento de nostalgia do passado devido
à substituição da mão de obra escrava pela dos
imigrantes.
na referência a Fausto e Mefistófeles, que
representam o desejo de eternização de Rubião.
© na admiração dos metais por parte de Rubião, que
metaforicamente representam a durabilidade dos
bens produzidos pelo trabalho.
@ na resistência de Rubião aos criados estrangeiros,
que reproduz o sentimento de xenofobia.