Capítulo LIV — A pêndula
Saí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-
me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi
as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o
sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tique-
taque sotumo, vagaroso e seco parecia dizer a cada
golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava
então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida
eo da morte, e a contá-las assim:
— Outra de menos...
— Outra de menos...
— Outra de menos...
— Outra de menos...
O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-
lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e
eu pudesse contar todos os meus instantes perdidos.
Invenções há, que se transformam ou acabam; as
mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e
perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio
e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a
hora exata em que morre.
Naquela noite não padeci essa triste sensação de
enfado, mas outra, e deleitosa. As fantasias tumultuavam-
me cá dentro, vinham umas sobre outras, à semelhança
de devotas que se abalroam para ver o anjo-cantor das
procissões. Não ouvia os instantes perdidos, mas os
minutos ganhados.
ASSIS, M Memórias póstumas de Bis Cubas Rod Jaci: Nova Ag, 1982 (taprents)
O capítulo apresenta o instante em que Brás Cubas
revive a sensação do beijo trocado com Virgília, casada
com Lobo Neves. Nesse contexto, a metáfora do relógio
desconstrói certos paradigmas românticos, porque
O onarrador e Virgília não têm percepção do tempo em
seus encontros adúlteros.
como “defunto autor”, Brás Cubas reconhece a
inutilidade de tentar acompanhar o fluxo do tempo.
na contagem das horas, o narrador metaforiza o
desejo de triunfar e acumular riquezas.
o relógio representa a materialização do tempo e
redireciona o comportamento idealista de Brás Cubas.
o narrador compara a duração do sabor do a
perpetuidade do relógio.
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