Você pode não acreditar
Você pode não acreditar: mas houve um tempo em
que os leiteiros deixavam as garrafinhas de leite do lado
de fora das casas, seja ao pé da porta, seja na janela
A gente ia de uniforme azul e branco para o grupo,
de manhãzinha, passava pelas casas e não ocorria que
alguém pudesse roubar aquilo.
Você pode não acreditar: mas houve um tempo em
que os padeiros deixavam o pão na soleira da porta ou na
janela que dava para a rua. A gente passava e via aquilo
como uma coisa normal
Você pode não acreditar: mas houve um tempo em
que você saía à noite para namorar e voltava andando
pelas ruas da cidade, caminhando displicentemente,
sentindo cheiro de jasmim e de alecrim, sem olhar para
trás, sem temer as sombras.
Você pode não acreditar: houve um tempo em que as
pessoas se visitavam airosamente. Chegavam no meio da
tarde ou à noite, contavam casos, tomavam café, falavam
da saúde, tricotavam sobre a vida alheia e voltavam de
bonde às suas casas.
Você pode não acreditar: mas houve um tempo
em que o namorado primeiro ficava andando com a
moça numa rua perto da casa dela, depois passava a
namorar no portão, depois tinha ingresso na sala da
família. Era sinal de que já estava praticamente noivo
e seguro.
Houve um tempo em que havia tempo.
Houve um tempo.
SANTANNA A. R. Estado de Minas, mai 201 (ragment)
Nessa crônica, a repetição do trecho “Você pode não
acreditar: mas houve um tempo em que...” configura-se
como uma estratégia argumentativa que visa
O surpreendero leitor coma descrição do que as pessoas
faziam durante o seu tempo livre antigamente
sensibilizar o leitor sobre o modo como as pessoas
se relacionavam entre si num tempo mais aprazível.
advertir o leitor mais jovem sobre o mau uso que se
faz do tempo nos dias atuais.
incentivar o leitor a organizar melhor o seu tempo sem
deixar de ser nostálgico.
convencer o leitor sobre a veracidade de fatos
relativos à vida no passado.
vo oo